O HOMEM QUE FOI COLOCADO NUMA GAIOLA - minha experiência pessoal sobre a produção da loucura em nossa sociedade

 

Após uma súbita curiosidade, um rei teria questionado, o que aconteceria com um ser humano se fosse conservado em uma gaiola assim como os animais do zoológico?
Com o intuito de obter uma resposta, no outro dia o rei mandou trazer uma gaiola e mandou que capturasse um homem que passava pelo seu reino.
Inicialmente o homem relutou com ímpeto, demonstrando muita raiva, alegando que o rei não poderia fazer tamanha injustiça com ele.
Durante a semana o homem continuou a reclamar e protestar por seus direitos, em defesa o rei diariamente lembrava ao homem que ele estava sendo bem tratado, alimentado, cuidado, que em nenhum momento tinha que trabalhar, e devido a esses fatores não haveria motivos para que ele reclamasse.
Após mais algumas semanas o homem parou de protestar e as reclamações foram cessando gradualmente.
Certo dia um grupo de professores e alunos de uma escola foram até a cela do homem para observa-lo, ele recebeu o grupo com muita cordialidade e quando questionado pelos visitantes sobre sua situação, respondeu que havia finalmente reconhecido que teria muitas vantagens em ficar encarcerado, e finalmente havia escolhido aquela maneira de viver.
Com o tempo sua conversação, passou a ter um único sentido, em vez de questionamentos sobre sua condição, o homem limitava-se a dizer frases simples como: “É o destino!” ou apenas, “É!”.
Assim o rei percebeu que, um dia o rosto do homem não tinha expressão alguma, o sorriso tornou-se vazio e sem sentido... Ele finalmente havia aceitado a gaiola.

(Rollo May, resenha de “O homem à procura de si mesmo”)


Neste texto da loucura, podemos ver como ela pode ser fabricada de forma gradual e sutil, em situações que aparentemente nos deparamos e que geram desequilíbrio e instabilidade mental.

Observando o texto, percebemos como o enjaulamento do homem contribuiu para a perda de sua identidade, a angústia e o conformismo fizeram ele perder o prazer de viver, a alienação fez com que ele parasse de olhar para si e se conformasse no “novo modelo de vida” em que ele foi incumbido.

Algumas vezes na vida, nos deparamos com situações assim. Lembro-me que consegui um emprego em um hospital de referência, porém o trabalho tinha uma carga horária muito puxada, um pouco longe de casa e o espaço em que trabalhava era minúsculo, sem janelas, cercado por paletes e estantes de prontuários. Além de termos metas para digitalização e codificação de prontuários, passava o dia sentada, fazendo aquele movimento repetitivo e monótono, por conta disso desencadeei uma tendinite no braço direito. O nome daquele hospital era de referência, mas aquele “nome” estava “pesando” pra mim. Coloquei no papel para ver se estava valendo a pena todo aquele esforço que eu estava fazendo, porém que não estava sendo reconhecido. Eles me mudaram de setor dizendo que seria melhor para mim, por conta de eu ter desencadeado tendinite, mas na verdade fui para um setor pior chamado CEDOC, onde me colocaram para “tirar grampos” e digitalizar prontuário, foi então que minha saúde regrediu ainda mais, então falei que não ficaria mais ali, aquele lugar não “me cabia”, um hospital que cuidava de pacientes, mas negligenciava a saúde de seus funcionários. Então fui pedir minhas contas e quando cheguei para falar com a gerente ela me disse: “...Mas nós tínhamos uma plano melhor para você aqui dentro, você vai mesmo fazer isso?”. Meus olhos se encheram de lágrimas, pois 1 ano e 3 meses ali, fui esquecida, acometida de uma enfermidade que não se importaram em me dar a devida assistência, imagina levar uma pessoa com tendinite a um setor de digitalização de documentos e grampos de prontuários para tirar, e ouvir da gerente que se eu continuasse eles teriam “planos melhores pra mim”, imagina que “planos eram esses?”. Infelizmente demorei muito para “acordar”, fiquei literalmente alienada naquela situação, que até hoje de vez em quando acarreta dores no braço e ombro que usava para codificar e digitalizar os prontuários.

O “status” de falar que trabalhamos em um lugar de “nome”, não deve ser maior ao valor que temos que dar a nós mesmos, precisamos considerar mais o que sentimos e não sermos desumanos com nós mesmos. Continuar naquele hospital de “nome” já estava sendo loucura para mim, o ambiente e as condições eram inapropriados.

Hoje aprendi que existem  “certas conquistas” que não valem a pena, a melhor conquista é aquela que te dá paz, que te dá qualidade de vida, que te dá prazer e não dor. Nossas escolhas principalmente no mundo organizacional podem afetar várias áreas de nossas vidas, como afetou a minha saúde, emocional e física, por isso temos de ter um olhar cuidadoso e não nos iludir, com cargos, nomes de empresas, títulos...pois nada disso poderá definir o caráter, os princípios e os valores  que temos.

 




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